BOAS VINDAS

"A física é para a vida" (Leonard Mlodnow)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

OPV e outras disciplinas - Primeira Parte

Sugestão do tema: Patrícia Paraíso. Meus agradecimentos. Vou explorar em algumas partes por que não consigo tempo para esgotar o assunto e nem senti a capacidade de resumir em um único post.

Quando eu estava na quinta série, uma professora apareceu na fila que deveria ser formada ao findar do recreio para cantar o hino nacional. Já havíamos passado o primeiro e talvez o segundo bimestre completo. Ela estava na cabeça da fila da minha turma e os meninos, em especial, olhavam pra ela com curiosidade: Conhecemos ela como a Tia Cris.

Hino cantado. Turma conduzida à sala. Alunos ficam mudos quando um professor(a) novo(a) chega à sala. Tia Cris era muito bonita e bastante heterodoxa. Deu bom dia a turma, olhou os alunos com atenção e começou a falar com vogais esticadas. Alternava o volume da voz. Contava uma piada com a cara mais séria e não ria, o que me deixava engasgado porque eu não sabia se podia rir quando achava graça, mais do que quando eu tentava contar minhas piadas e  ria delas ao mesmo tempo. Aquela mulher trazia algo... Chegou na escola para lecionar OPV.

Escreveu "OPV" e a data: xx/xx.  ??(dia)/??(mês) - (Queria minha memória saber como esse dia seria significativo e lembrar mais que isso). Tia Cris olhou para a turma e sua primeira frase foi:

"Senhoritas e Senhores.... vocês não são  mais tão crianças e, muito em breve, estarão batendo punheta e siririca".

Ela com a cara séria. Nós aos risinhos. (Punheta todos sabiam o que significava. No entanto, "siririca"...). Ela foi à sigla do quadro: OPV: Orientação Para a Vida. Disciplina nova incluída sabe-se por que cargas d'águas.

Alegava, a professora nova, que precisávamos conversar com os adultos, entender coisas difíceis que os adultos falavam e responder com elegância. Explicou que, por isso, ia nos presentear com uma das opções de "assuntos difíceis" de se aprender, que fazem parte do mundo dos adultos e que pede muuuuuuuuuuuuuuuuuuita A-ten-ÇÃÃÃOOO - insistindo nas vogais longas e nas variações de volumes a cada sílada de certas palavras.

Uma turma como a minha tinha a faixa etária de 11 a 13 anos. Gostavam todos de atari e do famoso master system recém lançado naquela época. Não fazíamos ideia sobre como se ganhava dinheiro, como se abria uma conta bancária, ou como se tornava um profissional. Mesmo assim Tia Cris convocou a turma para escolher entre todas as opções de assuntos que ela trouxe do mundo dos adultos: "Política e Plano Collor" - "porque esse é um assunto muito discutido por adultos que trabalham em Brasília"; "a morte" -  "porque há importância de se viver com regras morais e de se falar sobre a morte de pessoas queridas".

Estou divagando pra tentar lembrar se era isso mesmo que ela falou e quantos mais assuntos fizeram parte da lista...





Outros assuntos foram escritos no quadro, outras justificativas vieram e, por último, Tia Cris escreveu - "AIDS E SEXO".

Não me lembro dela ter  tido tempo para justificar a última opção mas o leitor não precisa de frações de segundos para saber que esse fora o assunto escolhido pela turma, aos gritos. Ela, convencida da unanimidade se pôs imediatamente a "O.rientar" a mim e aos meus colegas. (Pausa: Eu não sei porque me tornei professor mas se eu tivesse que justificar minha escolha, eu tomaria alguns episódios da minha vida escolar e haveria empate entre este e mais alguns).

Vogais prolongadas e ouvidos abertos. Todos queriam saber o que aconteceu com o Cazuza que foi capa da revista veja e porque um burburinho de pessoas assustadas corria entre os mais velhos dizendo que um tal vírus (de sigla que eu  não conhecia) estava chegando no Brasil. Era o ano de 1990 - poucos anos após eclodir a polêmica do câncer gay em metrópoles dos estados unidos.

Todas as semanas eram culpadas por estampar nas caras dos meus colegas (e na minha) uma visível espera pela Tia Cris. Nos fins de semana meus tios se reuniam na praia e eu, expansivo, metido-a-centro-das-atenções e pentelho, falava com eles sobre fragmentos da aula da Tia Cris e sobre cada um dos diferentes tópicos explorados com detalhes e de maneira saudável por ela: sexo vaginal, sexo anal, sexo oral, aids passa por leite materno, por agulhas e seringas, não usar drogas, usar camisinha, "Sindrome da imunodeficiência adquirida"; aids não passa por beijo e nem por abraço, aidéticos querem se matar, aidéticos querem abraços, carência, solidão, loucura, preconceito, homossexuais, heterossexuais, etc.

Tia Cris não gaguejava na hora em que mostrava como um pênis entrava numa vagina ou em um ânus, gesticulando com os dedos. Falava alto (e como quem saiu do exército) que as mulheres adultas estão aceitando sentir menos prazer que os homens. Me lembro de detalhes mas hoje não consigo me lembrar de um único tremor ou hesitação quando ela falava que alguns de nós já devia tocar no pênis ou no clitóris, ou que faríamos isso em breve, para sentir prazer até chegar ao orgasmo e gozar. A turma já não ria mais de "punheta", "porra" e nem outros termos. Escutávamos "masturbação" e "esperma" (e outros termos técnicos) sem confundir a ninguém e as aulas foram tomadas por braços levantados e dúvidas. Dúvidas - um elemento que eu não imagino ocorrer numa aula similar para uma turma similar já que hoje temos o google que nos basta.



----------------------------------------------------------------------------------------

Se chegaram até aqui agradeço pela paciência da leitura e peço que me perdoem. Continuarei em breve.





Um comentário:

Unknown disse...

Não sei como se deu à época, mas hoje há um retrocesso por parte dos pais de alunos. Tanto que nem tenho visto esse tipo de "aula" (disciplina!) nos currículos. Também os alunos cegamente repetidores de doutrinas que ouvem de pais e pastores (que se multiplicam de igrejas a Facebook) seriam pouco receptivos a esse tipo de aula. Acho.