BOAS VINDAS

"A física é para a vida" (Leonard Mlodnow)

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Cidadania.

Quis o destino que eu fosse um desafortunado nos encontros que acontecessem durante algumas andanças. Em especial dentro do ônibus. Narrando alguns exemplares para um amigo, ele me disse que eu sou o único que não vê mas a minha testa veio com um plus: aquela mira pra se acertar uma flecha, ou qualquer outra coisa muito ruim, que a Hanna Barbera usa em seus desenhos.  Algo assim:



Diz ele que eu atraio essas coisas e eu já me queixei muito disso. Demais. Uma vez um ambulante, sujo e maltrapilho, pulou a roleta do ônibus, dirigiu-se lentamente e rodopiante (sim, meu povo, ele bailava e rodopiava) para o fundo do coletivo e sentou-se do meu lado com tantas cadeiras completamente vazias. Depois tratou de me alertar sobre a minha salvação, preocupado com o fato de que eu ainda não tinha me arrependido dos meus pecados. Mal sabe ele que em alguns casos eu ainda reincidirei sem crises de consciência.

A palavra do Senhor me persegue pelas bocas dos transeuntes. Uma vez, um senhor esguio, trajando paletó característico, usou de voz alta para fazer o mesmo alerta para uma moça que estava sentada no mesmo banco do ônibus onde eu estava. Ela, na janela; eu, no corredor. Acrescenta ao episódio o fato de que esse banco era elevado porque estava sobre a roda e meu ouvido, assim, ficava defronte à boca do crente de pé que insistia nas reproduções de trechos da bíblia em voz alta e em tom monocórdio. O discurso parou quando ele mencionou algo sobre "crescei e diversificai", pedindo à moça o telefone dela. O ônibus estava lotado. Nem chance de sair do meio da paquera neopentecostal eu tive.

Se eu me alongar nos exemplos, esse post ficaria gigantesco. Tem de tudo no meu currículo coletivo urbano: uma senhora que balbuciava "Bridge over trouble water" do Simon e Garfunkel sem coerência e com teor etílico, funkeiros com sons altos (e nisso eu não sou exclusividade nenhuma), alertas de pessoas que sabem que "o terror está chegando" e que "vão botar o terror em tudo", etc (muitas etc´s).

Esse é o uso do bom senso que deveria ser obrigação de todos mas não é. O que fazer? Criar uma "Lei do Bom Senso"? Já não basta uma lei pra garantir que todos somos iguais, dizendo o óbvio e, mesmo assim, essa lei não ter efetividade alguma. Para esses casos, uma dose de cidadania vai bem. 

Não estou defendendo ninguém no entanto todos temos direitos. Não vou conduzir esse texto a uma conclusão mas apenas provocar. Certas pessoas deveriam ser proibidas de pegar o ônibus, ou de ligar o funk, ou de pular a roleta com esse preço de passagem e essa qualidade porca de mobilidade urbana?
Fica a pergunta. Insisto nela. Não na resposta.

Andarilhos fedentinos (como foi o caso de hoje de manhã), passantes com síndromes e deficiências que só provocam olhares-de-lado, pula-roletas, todos esses convidam nossa reflexão à algo muito maior: a aceitação pelas diferenças. As novelas e polêmicas em redes sociais da internet brigam pelos direitos dos negros, a criminalização da exposição da sexualidade da mulher e dos homossexuais, reduzidas a algo inferior; mas ombro-a-ombro com tudo isso está o dia-a-dia. O discurso é bonito e ele fica até mais "limpo" se ficar na teoria. Há analfabetos da cidadania que falam que "limpar" é o verbo; e que, se possível e rápido, é o que a prefeitura da capital do Espírito Santo poderia fazer. E depois? Quem mais vamos esconder?

Eu sou do partido que deveríamos encarar tudo com um pouco mais de frescobol e um pouco menos de tênis. Aprendi com Rubem Alves que deveria ser um jogador de frescobol na vida. Qual a diferença?

 Não gosto de escutar funk alto e também gostaria de uma viagem mais tranquila pelo preço que pago. Mas fazer o que? Fico pensando em qual outro momento aquele menino com celular sem fone poderá fazer valer a sua voz. Em tempo: Não é a dele que sai do celular que se escuta dentro do ônibus.

Mais:




Nenhum comentário: